Mais de um mês após ter entrado
em vigor, a chamada "PEC das Domésticas" não provocou a
"demissão em massa" que muitos disseram que poderia ocorrer. A nova
legislação, porém, já começou a mudar a relação entre patrões e empregadas,
mesmo sem a regulamentação de alguns itens, o que aumenta as dúvidas em torno
dos novos direitos e responsabilidades.
Parte da nova lei começou a valer
no dia 3 de abril, quando o texto da PEC foi publicado no Diário Oficial da
União. Por falta de regulamentação, no entanto, sete itens ainda estão em
suspenso: seguro-desemprego, indenização em demissões sem justa causa, conta no
FGTS, salário-família, adicional noturno, auxílio-creche e seguro contra
acidente de trabalho. A emenda prevê um prazo de 90 dias para a regulamentação
desses direitos – até o início de julho.
No Rio de Janeiro, o Tribunal
Regional do Trabalho afirma que não houve aumento no número de desligamentos.
No Sindicato das Empregadas Domésticas do Município do Rio de Janeiro, o número
de demissões ficou na média normalmente registrada.
Já em São Paulo, a assistente
jurídica do Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São
Paulo (Sindoméstica-SP), Camila Ferrari, estima que tenha havido um aumento de
5% em relação às demissões. "Mas não dá para avaliar se foi referente à
PEC ou se já havia um problema e o patrão usou isso como argumento",
disse.
"Na região de São Paulo não
está havendo [demissões]. No começo, houve todo o conflito de querer saber o
que foi aprovado, entender a regulamentação. Na época, o pessoal falou muito
[que haveria demissões], mas agora estão vendo que não aconteceu", afirmou
Camila.
No sindicato do Rio, no entanto,
o G1 conversou com algumas mulheres que aguardavam para serem atendidas e
tirarem dúvidas sobre o que fazer após terem sido demitidas logo no início de
abril. Para elas, tudo indica que nova lei, promulgada em 2 de abril, foi a
causadora da demissão, já que os patrões alegaram que não teriam mais condições
financeiras de mantê-las.
"Trabalhei na casa por 21
anos, 16 deles sem carteira assinada. No dia 1º de abril, a patroa deu baixa na
minha carteira e me ofereceu continuar no emprego como diarista, três vezes por
semana, sem carteira assinada", contou Vanda da Paixão, de 48 anos,
moradora de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, que trabalhou por duas
décadas na mesma casa em Bangu, na Zona Oeste.
Com 12 anos de trabalho no mesmo
apartamento do Rio Comprido, na Zona Norte, Josineide Santos também demitida em
1º de abril. "Foi assim de repente. Disseram apenas que não podiam
continuar por causa do custo alto. Nem me deram a opção de continuar no emprego
até encontrar outro".
Ana Maria da Silva estava há
apenas dois meses no emprego, numa casa no Engenho de Dentro, e ficou surpresa
quando foi dispensada por telefone no início de abril. "Disseram que
gostaram de mim, mas não podiam continuar porque não teriam condições de pagar
(...) Só pode ser por causa dessa lei", lamentou.
Carli Maria dos Santos,
presidente do sindicato, criticou as demissões. "Temos que ter muita calma
para entender como vai ficar a lei. Patrões e empregados têm que esperar um
pouco para ver como a lei vai funcionar. Nada de já sair demitindo. Só depois
que a lei ficar pronta é que vamos estudar e nos adequar para ficar tudo
normal. Não há razão para desespero".
Segundo Carli, ainda há muita dúvida sobre os
novos direitos, e quem mais tem procurado informações no sindicato são os
patrões.
Mudanças na rotina
Ouvidas pelo G1 em São Paulo, várias
trabalhadoras domésticas consideraram a lei positiva. Mas poucas foram atrás de
informações mais concretas. "Não li nada não, só ouvi na televisão",
disse a diarista Maria José Severo de Souza, de 48 anos.
"Minha patroa me chamou e conversou
comigo. (...) Ela disse que eu tenho que parar de trabalhar às 11h e retornar
às 13h, que seriam as duas horas de descanso, só que não dá. Senão, vai
acumular o serviço e não tem como eu dar conta. Eu finjo que estou respeitando,
mas, na prática, não mudou nada", revelou Aparecida Maria Silva da Gama,
de 48 anos, babá de um menino de 6 anos.
Mas ela admite que houve algumas mudanças na
rotina. Para tentar adaptar o horário à lei, a babá, que antes entrava no
serviço às 10h da segunda-feira, agora chega às 16h.
Para Cecília Jesus Silva, de 27 anos, a patroa
organizou uma planilha com horários e, atualmente, ela consegue ter um horário
fixo para deixar o serviço. Ciça trabalha há cinco anos numa casa em que vivem
dois adultos, uma jovem de 14 e outra menina de 6 anos.
"Eu gostei da nova lei, mas eu parei para
pensar: será que vai ser bom para os dois lados ou só do meu lado? (...) Isso
[as mudanças] vai do patrão e do funcionário conversarem, se for tudo na lei
certinho, certinho, vai complicar para as duas partes."
Maria José Severo de Souza hoje é diarista,
mas trabalhava como doméstica até um ano atrás. "Eu quero ser
doméstica", disse a funcionária que, atualmente, trabalha para quatro
patrões diferentes.
Um dos atuais empregadores, onde Maria José
trabalha duas vezes na semana, havia dito que iria registrá-la. "Saiu essa
nova lei e ela está caindo fora, está disfarçando. Agora ela falou que só quer
como diarista mesmo", comentou.
A babá Fernanda de Sousa, de 21
anos, que cuida de um menino de 1 ano e meio, também sentiu mudanças em sua
rotina, mas admite que não consegue colocar em prática todas as alterações
propostas pela lei. "Eu optei por trabalhar mais horas por dia para não
ter que trabalhar aos sábados", disse, em referência à jornada de 44 horas
semanais.
Até 815 mil demissões
Segundo levantamento do Instituto Doméstica
Legal, se a Emenda Constitucional 478/2010 (a PEC das Domésticas) for
regulamentada sem redução dos custos do empregador doméstico, poderão ser
demitidos até 815 mil empregados domésticos, dos pouco mais de 2 milhões
identificados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
"Caso a PEC inclua a
aprovação da redução do INSS do empregador doméstico de 12% para 4%, não haverá
demissões, e, ao contrário, teremos a formalização de 1,3 milhão de empregados
domésticos", calculou Mario Avelino, presidente do Instituto.
Para ele, o primeiro impacto da
PEC das Domésticas foi uma confusão geral. "Há uma série de dúvidas que
deixou todo mundo estressado (...). Por isso, eu digo, muita calma nessa hora.
Um conselho para o empregador: não demita neste momento. A regulamentação que
falta deve vir para evitar demissões e regularizar os informais", disse.
Camila, do sindicato de São
Paulo, destaca que ainda há muitas dúvidas, principalmente em relação aos
direitos que precisam de regulamentação. "A gente tem que pensar na
realidade, suprir a necessidade do patrão para que a trabalhadora não perca o
emprego. Não adianta não flexibilizar um pouco, senão acaba prejudicando a
categoria. Mesmo com a regulamentação da PEC vai haver alguns pontos que não se
aplicam na prática", concluiu.
Fonte: Globo.com
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